Rick Owens não é a escolha mais óbvia para uma exposição. Sua moda não é das mais comerciais. Sua figura é intrigante, quase mítica. Ainda assim, o estilista, nascido Richard Saturnino, em 1981, em Porterville, Califórnia, acaba de se tornar o terceiro designer homenageado em vida pelo Palais Galliera, ao lado de Martin Margiela e Azzedine Alaïa. De 28 de junho de 2025 a 4 de janeiro de 2026, o museu vai abrigar a mostra Temple of love, a primeira dedicada a Rick em Paris, com direção artística assinada por ele mesmo e curadoria de Alexandre Samson. “É importante para o museu destacar o trabalho de um designer independente, que traz uma visão intransigente, porém bem-sucedida, para a moda”, explica o curador. A seleção reúne mais de 100 peças, além de documentos pessoais, instalações e vídeos inéditos. Obras de Gustave Moreau, Joseph Beuys e Steven Parrino ajudam a contextualizar seu universo estético, revelando suas inspirações sob nova ótica. “Seu trabalho representa uma alternativa na moda – um caminho definido por singularidade, comprometimento e sucesso, uma prova de que pensar diferente deve ser mais incentivado entre os novos designers.”
Autoretrato do estilista, em 2002
Foto: © Rick Owens
Embora surpreendente à primeira vista, a exposição no Galliera soa natural quando se analisa a trajetória do estilista. Já se passaram 30 e poucos anos desde que Rick começou a construir um legado baseado em peças que oscilam entre o lânguido e o escultural, silhuetas extraterrestres e uma rebeldia intrínseca à sua visão como criador. Muitos classificam seu trabalho como brutalista, um adjetivo que já não dá conta da complexidade de sua obra. Por meio de técnicas como drapeados, cortes em viés e manipulação têxtil, além de uma preferência pelo uso do preto e de tons escuros e pálidos no geral, o designer conquistou um séquito de fãs. Furou a bolha através de colaborações com marcas como Converse e Dr. Martens e, nos últimos anos, ganhou ainda mais relevância online. No TikTok, compradores assíduos dividem suas experiências, ideias de styling e até onde encontrar peças vintage da etiqueta. Não é difícil ver alguém que se veste apenas de Rick Owens.
“Quero ser um apoio para as pessoas que não se veem refletidas em estéticas contemporâneas muito limitadas, vergonhosas e às vezes cruéis. A arte que provoca me salvou quando eu era jovem. Eu quero ser esse cara na vida das pessoas”, disse Rick Owens em entrevista publicada no Volume 18 da ELLE Brasil. A identificação é uma arma poderosa na moda dos dias atuais. Enxergar-se não só naquilo que é colocado na passarela, mas também nos posicionamentos e na sua figura como um todo, aproxima um público ávido por alguém que o entenda.
Coleção Porterville, de inverno 2024, apresentado na casa
e ateliê do estilista, em Paris.
Foto: © OWENSCORP2
Criado em uma família católica, ele nunca se conformou com seus arredores. Após concluir o ensino médio, mudou-se para Los Angeles, onde estudou dois anos na Otis College of Art and Design. Logo percebeu que seu caminho era outro: trocou as artes plásticas por cursos de modelagem e drapeado na Los Angeles Trade-Technical College. Trabalhando como modelista, conheceu Michèle Lamy, em 1990, no Les Deux Café, um bistrô fundado por ela. O restaurante não existe mais, mas o casal permanece junto desde então.
Impulsionado pela parceira, Rick Owens abriu sua marca homônima em 1994. A multimarcas Charles Gallay, conhecida por sua seleção de roupas vanguardistas, foi a primeira a vender suas coleções. Em 2002, fez o seu primeiro desfile na semana de moda de Nova York, com o nome já consolidado após vencer o prêmio Perry Ellis de talento emergente pelo Council of Fashion Designers of America (CFDA). E não foi a única vez que ele subiu nesse palco: em 2017, foi homenageado com o Lifetime Achievement Award pelo mesmo conselho – o reconhecimento por sua obra, consistente e singular.
Em 2003, mudou-se com Michèle para Paris para assumir a direção criativa da Revillon, uma tradicional casa de peles, onde permaneceu até 2007. Dois anos antes, já havia expandido sua expressão artística com uma linha de móveis, que posteriormente estariam no Musée d’Art Moderne, em Paris, e no Museum of Contemporary Art, em Los Angeles. Sua primeira flagship na capital francesa foi aberta em 2006, seguida por endereços próprios em Londres, Milão, Tóquio, Hong Kong, Nova York e Los Angeles. Atualmente, são 11.
Michèle Lamy na capa do catálogo da exposição Temple of love
Foto: © OWENSCORP2
Na mostra no Galliera, o papel central de Michèle Lamy na vida do designer ganha destaque: há uma instalação que recria o icônico quarto do casal. Seu toque subversivo estará presente também na fachada do museu – as estátuas do prédio serão cobertas com tecido bordado em paetês – e nos jardins, onde 30 esculturas inspiradas em seus móveis foram montadas especialmente para a ocasião.
E as roupas? “Vamos apresentar coleções desde seus primórdios, em Los Angeles, até as mais recentes. Com um fascínio por rituais espirituais, suas criações se baseiam em uma ampla gama de referências, do escritor Joris-Karl Huysmans à arte moderna e contemporânea, bem como aos grandes filmes de Hollywood do início do século 20”, adianta o comunicado oficial do museu.
Alexandre Samson explica que, graças à exposição Subhuman, inhuman, superhuman, inaugurada em 2017 na Triennale de Milão, os arquivos de Rick Owens estavam perfeitamente organizados. Havia, contudo, lacunas significativas dos seus primeiros shows, ainda nos Estados Unidos. “Isso tornou a pesquisa particularmente desafiadora – uma dificuldade que procurei superar entrando em contato com parentes e clientes de longa data que haviam preservado roupas, documentos e, acima de tudo, memórias de seu início em Los Angeles”, diz. O esforço valeu a pena. “Destacar esse período inicial ressalta o quão coesa e estruturada sua visão criativa sempre foi e como ele manteve a mesma linha desde o início dos anos 1990.”
Rick Owens na prova de roupa da coleção Babel, de verão 2019, no Palais Bourbon
Foto: © OWENSCORP2
O Galliera ainda não divulgou a lista completa dos trabalhos, mas, se ele contemplar as coleções mais memoráveis, deve marcar presença o verão 2016, quando as modelos carregavam umas às outras nas costas, como mochilas. O inverno 2015, em que buracos nas roupas deixavam o pênis dos modelos à mostra, também merece estar lá, assim como o verão 2014, em que ele convidou dançarinos de Washington Divas, Soul Steppers, Momentums e Zetas para uma performance que refletia sobre os padrões de beleza femininos. Há ainda o verão 2022, que contou com Michèle Lamy pela primeira vez na passarela, usando um vestido de silhueta geométrica exagerada. E o inverno 2024, com suas botas infladas. “Sempre que faço algo transgressor, nunca é por raiva ou apenas por provocação. Geralmente há um espírito bem-intencionado por trás”, disse em entrevista ao The New York Times, em 2017.
Rick Owens domina, como poucos, a arte de fazer desfiles espetaculares. Em uma temporada, colocou convidados e imprensa dentro de sua própria casa (a antiga sede do Partido Socialista da França, onde também fica seu ateliê) para falar de intimidade. Na outra, convocou 200 estudantes de faculdades da área de Paris para desfilar, como um verdadeiro exército. Algumas estações atrás, suspendeu a banda estoniana Winny Puhh de cabeça para baixo no meio da passarela. O choque está em seu DNA. Sem depender de celebridades vestindo suas criações, Rick Owens construiu um império movido por uma visão única e profundamente pessoal. O fantástico mundo de Rick Owens merece mesmo um mergulho.