Fé, Transformação e Atitudes — Entrevista com Teo Taveira

Daniel Felicio
19 Min de Leitura

O jornalista Teo Taveira, diretor da série documental “Sino Peregrino – O Som da Esperança”, que será lançada no dia 24 de junho dentro da programação oficial da Romaria do Divino Pai Eterno, em Trindade, Goiás, fala sobre os desafios de filmar a jornada do maior sino católico que badala no mundo e o poder de transformação, conexão espiritual e resgate cultural que representa a história da peregrinação do sino por 12 mil quilômetros, da Polônia até o Brasil. Teo Taveira conta que a viagem do sino, que carrega o nome Vox Patris (a Voz do Pai), não é apenas uma viagem logística, mas uma trajetória de sombra e luz. Uma viagem para dentro, uma jornada de consciência porque, segundo ele, o mundo nunca precisou tanto ouvir a voz do Pai.

“É a história de uma mensagem de transformação que atravessa o mundo e precisa ser ouvida”.

Como surgiu a ideia de fazer o documentário “Sino Peregrino – O Som da Esperança”?

Teo Taveira:  O primeiro impulso de olhar para esse projeto como um potencial para uma série documental, tinha a ver com o simples fato de que é uma história muito curiosa, repleta de bastidores que, por si só, já a tornam muito interessante. O tamanho do sino, o fato de ter sido construído na Polônia, de ter que ser transportado numa megaoperação marítima com logística especial… Tudo isso já gera o interesse do público pela curiosidade da dimensão do projeto. Mas aí, quando começamos, de fato, a olhar com mais profundidade e interesse, o motivo de fazer o documentário ficou muito maior, porque transcendeu o tamanho do sino, transcendeu a estrutura logística, transcendeu as dimensões da operação.

Partimos para uma outra dimensão muito maior, que é a profundidade da mensagem que está por trás do sino, a mensagem de transformação que um elemento simbólico é capaz de carregar, ainda mais com esse nome: Vox Patris (a Voz do Pai). Quando entendemos o que era a voz do pai, percebemos que ela vai além de um nome; as pessoas a interpretam de formas diferentes como um conceito. Para um religioso, pode ser o contato com Deus, a voz do pai que orienta e guia. Mas pode ser, de maneira simbólica, a voz que nos convida a refletir sobre o mundo em que vivemos.

Quando identificamos esse simbolismo muito claro, percebemos que esse sino traz uma voz que conecta dois continentes, duas culturas e, ao mesmo tempo, são muito semelhantes no sentimento de que nós não podemos perder, deixar que se perca, um olhar comunitário, de olhar para o outro antes de olhar para nós mesmos. Esse sentimento, em qualquer cultura, e nas culturas brasileira e polonesa, encontra um ponto de contato, de conexão. E foi isso que aumentou o nosso interesse no projeto. Passamos a perceber que contar a história do sino que peregrinaria 12 mil quilômetros da Polônia para o Brasil era mais do que contar uma história de uma operação logística. A mensagem de transformação atravessa o mundo e precisamos ouvi-la.

Havia uma necessidade de preencher algo que ainda faltava, como contar a história da fé de um povo por um olhar diferenciado?

Teo Taveira: Eu entendo que a Romaria do Divino Pai Eterno sempre foi retratada sob dois aspectos principais. Um é um olhar, digamos, puramente religioso, retratado pelos veículos de comunicação que compõem esse universo religioso, com foco no impacto dos milagres alcançados, das graças recebidas, muito mais do que no impacto cultural. O outro aspecto era uma cobertura jornalística, geralmente factual e superficial, feita pelos veículos de comunicação tradicionais que cobrem a Romaria todo ano. Nós nunca tínhamos visto até o momento uma forma de abordar esse assunto que mergulhasse nas profundezas da tradição, do que é humano, do impacto prático do dia-a-dia dos carreiros, dos romeiros e de como essa tradição se perpetua através das gerações.

Como isso é sentido, percebido e vivido pelas comunidades no interior de Goiás. Esse foi o foco principal do nosso trabalho, de buscar esse aprofundamento. Precisávamos preencher essa lacuna. Além disso, é necessário mostrar todos os lados dessa história, desde o início da devoção, em 1840, com o casal de caboclos, até a chegada do grande sino que instalarão no santuário ainda em construção. E dentro dessa história há momentos de luz e de sombra. Estamos fazendo uma série que mostra esses momentos porque, como qualquer movimento social, cultural ou religioso, existem contradições e crises. Além disso, há capítulos difíceis que também são importantes para reflexão e aprendizado.

E nós, como documentaristas e jornalistas, estamos comprometidos em contar a história completa, não recortes dela, porque entendemos que o papel da comunicação é justamente esse, é gerar transformação pela reflexão. Conhecer todos os aspectos de uma história, os bons e os ruins, é o que nos permite entendê-la integralmente, aprender e evoluir com ela. Com cinco episódios de 30 minutos cada, vamos abordar todas as conexões humanas, sociais, religiosas e culturais que compõem essa devoção. E ouvindo quem realmente viveu a história, não apenas porta-vozes, mas protagonistas reais de cada fato.

Como a obra retrata a fé e a cultura do povo goiano e qual a importância dela neste sentido?

Teo Taveira: Como características totalmente fundamentais da identidade desse povo. Em Goiás, mesmo quem não é religioso vive impactos e reflexos na vida que são derivados de um movimento religioso, o movimento dos carreiros que descobriram o medalhão da Santíssima Trindade. Essa cultura que veio do interior de Goiás é a cultura sertaneja e ela gera desdobramentos culturais, musicais, de comportamento, de gastronomia, todos esses aspectos fazem parte da vida do goiano.

É impossível dissociar a cultura do goiano, a cultura sertaneja, a cultura dos carreiros. Quando se fala da devoção ao Divino Pai Eterno e se conta a história dessa devoção, é a história do povo de Goiás. Estamos falando de um povo que abriga uma festa que chega a reunir quatro milhões de romeiros todos os anos, conhecida no Brasil inteiro, uma das três maiores festas religiosas do país e que reúne não apenas católicos, mas evangélicos, espíritas, pessoas de religiões de matriz africana, até ateus e agnósticos. Todo tipo de gente faz a Romaria do Divino Pai Eterno, frequenta a festa, justamente porque ela é um evento que transcende a religião. 

Essa cultura foi gravada no sino…

Teo Taveira: Quando trazemos a cultura para o centro do documentário, relembramos também as obras que foram criadas para serem forjadas no Vox Patris. Desenhos que retratam a cultura goiana por meio da descoberta do medalhão, feitos por um artista goiano de Anápolis, o Silvio Moraes. Ele estará presente no documentário não apenas como entrevistado, mas também dando vida ao videografismo que compõe a identidade visual da obra. Trazemos a cultura goiana por meio do artista, da narrativa, das histórias, dos impactos humanos. E tudo isso está lá. E essa amarração se conecta muito com o Vox Patris, que é um sino nascido na Polônia, mas que será eternizado em Goiás e que tem ao redor dele a história do povo, da cultura, do cerrado, que é o bioma em que o Estado está inserido. É uma amarração indissociável e muito poderosa, com depoimentos e histórias incríveis.

O documentário retrata fatos e eventos grandiosos, como a jornada do maior sino que badala do mundo até seu abrigo, no campanário da nova Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, onde acontece a maior romaria do Brasil. Os desafios de dirigir este projeto também foram grandes?

Teo Taveira: Acho que dá para dizer que a viagem do sino, simbolicamente, é também a viagem das pessoas, uma viagem de reflexão em torno de uma vida que a gente busca sempre ser melhor. E, para nós, a viagem do sino é também a viagem de uma equipe de jornalistas e produtores de conteúdo que busca se aprofundar cada vez mais nas histórias que conta. O maior desafio de dirigir um projeto como esse é que ele tem que ser “O” projeto, e isso significa dedicação de tempo, de equipe, de recursos financeiros. Nós estamos gravando há um ano e existem desafios de ordem financeira, de estrutura e também logísticos. Todos os deslocamentos tiveram custos.

A viagem para a Polônia também. Viajamos para Minas Gerais, São Paulo e diversos outros destinos para entender, de fato, todos os desdobramentos dessa história. Outro grande desafio foi conseguir trazer para essa história todos os elementos que ela precisa ter para que fique uma série documental fiel aos fatos, jornalística, muito sincera e honesta. Isso exigiu um trabalho de produção muito detalhado. Foi preciso trazer outros profissionais, pessoas com muita experiência na produção de documentários, produtores executivos, gente que nos ajudou a realmente aprofundar essa história.

Você acredita que uma produção independente e goiana tem potencial para alcançar repercussão nacional e internacional? Qual a maior força deste documentário?

Teo Taveira: A história pode ser considerada regional porque, no fim das contas, o Vox Patris é um sino que vai ficar em uma igreja de uma cidade no interior de Goiás. Mas quando olhamos sob a perspectiva da mensagem tem os elementos que tornam qualquer história poderosa. Independentemente do assunto que trate, quando a história se conecta a valores universais, que são sentimentos que qualquer ser humano sente e vive, ela transcende qualquer obstáculo.

No fim das contas, a viagem do sino é também a nossa viagem de reflexão e transformação. E existem outros valores presentes na narrativa, como desafios, dores, angústias, arrependimentos. Todos nós sentimos isso. Todos nós erramos e precisamos nos transformar a partir disso. Essas contradições e até acontecimentos difíceis que envolveram a própria Igreja Católica também estão na história. Não fugimos deles. Por isso, a nossa expectativa é que os valores presentes na narrativa sejam maiores do que os limites geográficos. Que essa história possa ser do mundo inteiro, porque ela é carregada de emoção, humanidade e verdade.

Como foi o processo de escolha dos personagens e locações?

Teo Taveira: Desde o início tínhamos algumas decisões que pareciam naturais e que não tinham como estar fora da história. As pessoas que participaram da concepção desse projeto, da construção do sino, lá no início, por volta de 2014 ou 2015, eram personagens óbvios da narrativa, naturalmente conectados à narrativa religiosa, às lideranças da comunidade, da Congregação Redentorista, que é a protetora dessa devoção. Além deles, claro, os carreiros e os romeiros que têm toda uma vida ligada a essa religiosidade, a essa devoção. Mas à medida que mergulhávamos mais fundo na narrativa, íamos conhecendo histórias que transcendiam o óbvio, mas que se mostravam totalmente conectadas ao roteiro, ao conceito do documentário.

E foi aí que passamos a nos deixar guiar pela história, porque, como jornalistas, muitas vezes nos prendemos a uma narrativa pré-definida, engessada. Mas, nesse caso, entendemos que uma história viva, com fé, cultura e pessoas vai se transformando. E quem muda essa direção são os próprios personagens, os seres humanos que nos ajudam a contá-la. A história foi nos apresentando personagens maravilhosos, que nos ajudaram a entender a profundidade, os detalhes, o caldo emocional que essa narrativa tem. E essa foi, sem dúvida, uma das maiores belezas da série. Nós sabíamos de onde estávamos saindo, mas não sabíamos exatamente aonde chegaríamos. 

Quais as curiosidades e surpresas que aconteceram durante o processo de filmagem?

Teo Taveira: Acho que a maior curiosidade e, sem dúvida, uma das experiências mais surpreendentes para nós, foi identificar, quando fomos à Polônia, que aquele projeto, para aquelas pessoas e para aquela comunidade, já não era apenas uma produção técnica. Ele havia se tornado um projeto de conexão emocional profunda. E, surpreendentemente, essa conexão era, muitas vezes, ainda mais intensa do que a nossa. Essas pessoas participaram da produção do sino há 10 anos. E isso nos foi revelado de maneira muito tocante quando conhecemos o Jagos, dono da empresa responsável pela etapa final da produção do Vox Patris. O vínculo emocional dele com o sino era tão profundo que, ao falar sobre a despedida do sino, ele chorou durante a entrevista. Ele nos mostrou uma sala onde aconteceu a primeira reunião do projeto, há 10 anos.

Essa foi uma das experiências mais fortes da nossa jornada, porque mostrou que o Vox Patris é um sino especial, não só para quem hoje está respirando esse projeto em Trindade, mas também para quem o sonhou e o construiu, ainda na Polônia, anos atrás. Também conhecemos pessoas por lá que não tinham nenhuma ligação com o Santuário do Divino Pai Eterno. Eram apenas católicos locais que, por devoção ou curiosidade, iam semanalmente até a fundição para visitar o sino. Essas pessoas também se emocionaram, ficaram orgulhosas, mas tristes com a partida do sino. Essa curiosidade nos mostrou a profundidade emocional que o projeto carrega. Revelou o tamanho do impacto humano que o Vox Patris tem. E nos fez perceber que o nosso cuidado e o nosso carinho para contar essa história tinham que ser ainda maiores.

Como você acredita que a história retratada no documentário se conecta com o mundo atual e às necessidades do homem moderno? Qual a principal mensagem que fica?

Teo Taveira: Esse é um ponto central para nós porque está diretamente conectado com o objetivo do projeto, com o que queremos causar nas pessoas. E o que queremos causar é reflexão. A viagem do sino tem que ser uma viagem para dentro, uma jornada de consciência. Essa é a premissa básica do nosso roteiro, já que o mundo nunca precisou tanto ouvir a voz do Pai. Vivemos um tempo em que guerras continuam acontecendo, mesmo quando acreditávamos já ter evoluído o suficiente para não precisarmos mais matar uns aos outros por causa de conflitos. Mas elas estão aí, o tempo todo. Isso revela o quanto ainda somos carentes de empatia, de escuta, de compreensão.

Estamos destruindo nossas florestas, mesmo com a natureza nos dando sinais muito claros de que estamos cavando a nossa própria cova. E ainda assim, repetimos os mesmos hábitos de consumo, de desrespeito ao próximo, de desconexão com o planeta. O objetivo do documentário, com toda humildade, não é mudar o mundo, mas talvez mudar a visão de alguém ou ao menos gerar um instante de reflexão em quem assiste. Acredito que não basta a gente rezar. A fé sem ação é morta. A fé precisa ser participativa. Não basta pedir ajuda ao Pai. É preciso ajudar o próximo. Ajudar o planeta. Ter fé é também ter atitude.

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Fotos: Divulgação

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