A recente e abrupta decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros, justificada por uma suposta “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, transformou-se, paradoxalmente, em um inesperado trunfo político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação é de analistas e especialistas em relações internacionais e ciência política, que veem na “gafe” de Trump uma oportunidade para Lula se fortalecer, unificar o discurso nacional e isolar ainda mais seu principal adversário político.
A crise diplomática teve início na última quarta-feira (9), quando a Casa Branca comunicou, através de uma carta dura endereçada a Lula, a imposição da sobretaxa a partir de 1º de agosto. No texto, Trump atrela a medida econômica à sua insatisfação com o que chamou de “caça às bruxas” contra Bolsonaro e seus aliados por parte do judiciário brasileiro. A atitude, vista como uma clara tentativa de ingerência em assuntos internos do Brasil, provocou uma reação imediata do governo brasileiro e de diversos setores da sociedade.
O presidente Lula convocou uma reunião de emergência com seus ministros e, em pronunciamento, adotou um tom firme em defesa da soberania nacional. “O Brasil é um país soberano e não podemos aceitar que nenhuma nação estrangeira, por mais poderosa que seja, tente ditar as regras do nosso jogo democrático ou interferir em nossas instituições”, declarou Lula.
O “Presente” de Trump
Para analistas políticos, a atitude de Trump funciona como um “presente” para o governo Lula. Em um momento em que a administração federal busca consolidar sua base de apoio e enfrenta desafios na economia, a criação de um “inimigo externo” tende a unir o país em torno do chefe de Estado.
“A retórica de Trump, ao vincular uma medida comercial punitiva a uma defesa pessoal de Bolsonaro, oferece a Lula uma plataforma poderosa para se posicionar como o defensor dos interesses e da soberania do Brasil”, avalia Creomar de Souza, doutor em Ciência Política e fundador da Dharma Political Risk & Strategy. “Isso desloca o debate de questões domésticas, muitas vezes mais espinhosas, para o campo da diplomacia e do orgulho nacional, onde o presidente tende a ter um apoio mais amplo.”
A percepção é compartilhada por Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente. Em entrevista recente, Ricupero classificou a intromissão de Trump como um “presente para Lula”, argumentando que a atitude desastrada do presidente americano fortalece a posição do governo brasileiro tanto interna quanto externamente.
Isolamento de Bolsonaro e o “Beijo da Morte”
Se por um lado Lula se fortalece, por outro, Jair Bolsonaro se vê em uma posição delicada. A defesa explícita de Trump, atrelada a uma medida que prejudica diretamente a economia brasileira – afetando setores importantes como o agronegócio e a indústria, que em parte formam sua base de apoio –, pode ser vista como um “abraço de urso” ou até mesmo um “beijo da morte”.
“Há uma percepção crescente, mesmo entre setores mais à direita, de que a aliança com a ala mais radical do trumpismo pode ser prejudicial aos interesses nacionais”, comenta um analista do mercado financeiro que prefere não se identificar. A Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) já manifestaram “extrema preocupação” com a medida, que pode inviabilizar exportações e gerar prejuízos bilionários.
Pesquisas de opinião realizadas antes da crise já apontavam uma imagem majoritariamente negativa de Donald Trump entre os brasileiros. Ao associar sua imagem de forma tão direta a uma sanção econômica, Bolsonaro corre o risco de ser visto como um político cujas alianças internacionais são lesivas ao país.
Repercussão e Próximos Passos
A imprensa internacional repercutiu amplamente o caso, destacando a natureza política da tarifa e a defesa de Bolsonaro por parte de Trump. Jornais como o “The New York Times” e a rede britânica “BBC” apontaram a clara tentativa de pressão sobre o sistema judicial brasileiro.
O governo brasileiro, por sua vez, estuda medidas de retaliação e já acionou canais diplomáticos para contestar a decisão. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que Trump está “mal informado” sobre a situação do Brasil e que a medida é “injusta e prejudica a própria economia americana”.
Enquanto os impactos econômicos da tarifa de 50% são calculados e as respostas diplomáticas se desenrolam, no campo político, o saldo imediato parece claro: a desastrada manobra de Trump para defender seu aliado acabou por fortalecer justamente o seu maior antagonista no cenário brasileiro, dando a Lula a oportunidade de vestir o traje de defensor da nação, um papel que historicamente rende bons dividendos políticos.