O Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) divulgou nota defendendo uma revisão da política fiscal brasileira, com foco na erradicação da pobreza, na redução das desigualdades e na promoção da justiça social. A entidade reforça que o debate sobre as contas públicas deve respeitar os princípios constitucionais e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Agenda 2030 da ONU.
“A política fiscal é um instrumento fundamental da atuação do Estado. Por meio de sua definição, decide-se a origem dos recursos públicos e onde eles serão investidos”, destaca o Corecon-SP. “Ao discuti-la, em nosso País, deve-se ter como orientação o artigo 3º da Constituição Federal […] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”
Para o Corecon-SP, o atual debate sobre austeridade é fortemente influenciado por interesses de grupos organizados que atuam para manter benefícios exclusivos. “A austeridade é indicada sempre para os outros”, aponta o Conselho. “Trata-se de uma escolha política, sustentada por uma ideologia que busca reorganizar a sociedade segundo os interesses do capital.”
O Conselho também critica a retórica que compara o orçamento do Estado ao de uma família. “Tem sido comum a comparação capciosa entre o orçamento de uma família e as finanças da União”, aponta a nota. “Essa narrativa ajuda a disseminar o autoengano coletivo de que é preciso cortar gastos quase que indiscriminadamente, sobretudo sociais.”
Outro ponto destacado são os setores privilegiados na estrutura de arrecadação e despesa pública. O Corecon-SP aponta que impostos como o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) são subutilizados, enquanto os gastos com subsídios, renúncias fiscais e juros da dívida pública consomem grande parte do orçamento.
“A arrecadação anual deste imposto [ITR] em todo o Brasil é inferior ao valor arrecadado com IPTU na cidade de São Paulo durante dois meses e meio”, exemplifica o Conselho. Sobre o ITCMD, a alíquota, por exemplo, no estado de São Paulo é de apenas 4%. A título de comparação: quando a princesa Diana morreu naquele desastre em Paris, ela deixou US$ 30 milhões de herança para seus filhos e o governo inglês cobrou cerca de US$ 15 milhões em impostos sobre a herança.
Do lado das despesas, o Corecon-SP lembra que os subsídios e as renúncias fiscais devem atingir R$ 800 bilhões neste ano, enquanto os gastos com juros da dívida pública podem ultrapassar R$ 1 trilhão. Além disso, cita privilégios salariais no Poder Judiciário e nas Forças Armadas como pontos de atenção.
O Brasil é um dos únicos países do mundo em que os parlamentares têm uma ação decisiva sobre como gastar o orçamento”, afirma a nota, referindo-se ao volume de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares.
“A revisão dos gastos públicos é inadiável, e não pode recair exclusivamente sobre quem ganha salário-mínimo. A lógica da eficiência, nesse contexto, torna-se armadilha”, afirma o Conselho. “Evidentemente, há que se buscar a eficiência do Estado, mas com cuidado em relação ao discurso da máquina pública inchada, pois faltam servidores em várias áreas.”
O Corecon-SP conclui defendendo que a responsabilidade fiscal seja inclusiva e democrática, baseada em uma reforma da tributação sobre a renda e no controle dos privilégios orçamentários.
“A solução passa pelas despesas e pelas receitas do governo. A responsabilidade fiscal deve ser inclusiva, equilibrando contas sem sacrificar direitos”, conclui a nota. “Do contrário, a promessa de desenvolvimento será apenas uma miragem a serviço do atraso.”